O vazio existencial do homem contemporâneo |
Por Michel Aires de Souza
Que
sentido, que valor imprimimos a nossa ação? Somos seres incapazes de
contemplar ou tomar conhecimento do que cotidianamente fazemos de nossas
vidas. Por que fazemos o que fazemos? Por que levamos a vida que
levamos? Ora queremos um novo emprego; ora queremos um novo amor; ora
queremos um novo carro, ora queremos uma nova casa. Os homens sempre
estão em busca de dinheiro, poder, notoriedade ou divertimentos. Logo
que realizam um desejo surge outro desejo. Nunca estão satisfeitos.
Passam a vida buscando bens materiais ou bens simbólicos. São
eternamente inquietos e insatisfeitos. São governados por um querer cego
e irracional. Numa primeira análise somos levados a crer que o único
objetivo da vida dos homens é destruir sua própria solidão. Eles não
conseguem ficar sozinhos, precisam sempre de agitação. Estão sempre em
busca de algo. Envolvem-se em tarefas arriscadas e difíceis;
envolvem-se em projetos, conflitos ou conquista que, muitas vezes, lhes
trazem infelicidade. Não suportam o silêncio ou estar consigo mesmo.
Precisam do barulho, do ruído e da agitação. São incapazes de desligar a
televisão ou o rádio quando estão sozinhos em casa. Fogem da solidão
como o Diabo foge da cruz. Pascal no século XVII já havia pensado sobre
esse problema. Para ele as pessoas são agitadas, pois não conseguem
ficar consigo mesmas, são incapazes de refletirem sobre sua condição
miserável e mortal. Não querem refletir sobre sua condição humana,
permeada pela dor, dissolução e morte, nada os pode consolar.
Como sugeriu Platão, o nosso espírito é uma caverna, o que falta ao
homem é eternidade. Os indivíduos são seres vazios. Vivem na busca de
preencher seu mundo interior com algum entretenimento ou com algum
objeto. Todo seu sentido interno se expressa pelo sensível e pelo
concreto. Buscam preencher sua interioridade com bens materiais ou bens
simbólicos. O sistema capitalista serviu muito bem a esse propósito.
Esse sistema ofereceu ao homem um mundo de entretenimentos, prazeres e
objetos para que ele possa preencher seu vazio interior. É por isso que o
capitalismo sobreviveu, é por isso que ele se perpetuou. Ele impediu
que o homem encarasse o vazio descomunal de sua interioridade.
Mas por que o homem temeria tanto olhar para o seu vazio interior? Por
que ele foge de si mesmo? O que homem teme é o eterno que existe nele.
Esse vazio que ele experimenta é o Nada. As pessoas não querem se dar
conta que o Nada está inscrito em nossa própria carne e em nossa própria
alma. O Nada surge diante do homem aniquilando todas as coisas que os
rodeiam e aniquilando o próprio EU. É o Nada que retira todo o sentido
da vida. Somos seres para a morte. A descoberta do Nada da existência
humana levaria o homem a reconhecer que a existência é um acidente, é
algo casual e efêmero, e que o manhã não poderá mais existir. O homem
recusa a encarar a verdade. Já dizia Sócrates, conheça-te a ti mesmo. O
conhecimento de si mesmo implica em reconhecermos a nossa finitude. É o
Nada, que está em nosso interior e que não somos capazes de encarar,
que nos aniquilará. O que falta ao homem é consciência de sua
facticidade. Estamos lançados no mundo como um barco sem rumo. A
imanência nas coisas nos tira a consciência de nossa condição finita e
nos condena a banalidade da vida cotidiana. É somente a consciência de
nossa condição finita, é somente a consciência do Nada, que nos permite
transcender e reavaliarmos nossa própria vida e comportamento, dando
sentido e significados eles.
Vivemos numa época de incerteza, de insegurança e de
superficialidade. Temos dificuldade em entender nossa própria
experiência social e não conseguimos nos dar conta da relação que há
entre nossas vidas e as forças que nos subjulgam. Não percebemos que
nossos dramas, conflitos, medos, frustrações são em grande parte
causados pelos valores de nossa sociedade ou pelas estruturas sociais
que nos governam. Por causa disso, não temos uma experiência bem
definida das nossas próprias necessidades, não sabemos o que sentimos ou
o que verdadeiramente queremos. Todos os dias os indivíduos acordam
cedo, vão para o trabalho, almoçam com os mesmos colegas, compartilham
as mesmas experiências. Quando voltam do trabalho para casa, conversam
sobre os mesmos assuntos, fazem as mesmas atividades e assistem aos
mesmos programas de televisão. Aos finais de semana buscam as mesmas
agitações e divertimentos. Eles são incapazes de perceber que possuem
uma vida fragmentada, muitas vezes degradada pelo cotidiano da labuta,
das transformações econômicas e do consumo. Estão sempre em movimento,
em busca de um objetivo ou desejo insuflado pela sociedade. Apegam-se a
verdades, valores ou regras externas, que não escolheram
conscientemente. Como se o mundo tivesse um sentido ou um significado
dado apriori. São seres despersonalizados pela cultura. Seguem padrões.
Vivem numa Matrix, incapazes de separar a consciência da realidade. São
incapazes de contemplar seu mundo interior. São incapazes de reconhecer o
Nada e darem sentido a suas próprias vidas. Como diz Montaigne “meditar
sobre a finitude é meditar sobre a liberdade”.
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